quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

quadro de honra #2

mais. alguns transcritos das 'canções de verão' do bodyspace. a recordar.

kingdom ft. shyvone - mind reader (todd edwards mix)

eventualmente, a orientação para um ambiente mais soturno em that mystic acabou por se revelar bem menos perniciosa do que seria expectável, escapando com subtileza às armadilhas post-dubstep e deixando 'fogs' ecoar para a posteridade, mas 'mind reader' continua a elevar-se, quase um ano depois, sobre tudo aquilo que esse ep revelou. no entanto, e apesar de serem indiscutíveis as suas propriedades para a dança aos solavancos, a original sempre me pareceu demasiado impenetrável. um frenesim auto-referencial que se passeava por entre coordenadas jungle/2-step/bassline, com aquele acervo dos sintetizadores trancey (uk circa 94, não os de goa) a gerar um entusiasmo distractivo. por essa mesma razão, sempre a preteri em relação ao classicismo da remix do todd edwards, que, sem necessidade de se revelar a cada momento, consegue sem grandes acrobacias atingir uma elegância sublime de modo quase casual. não deixa de ser curioso que o próprio todd edwards fosse uma referência para a 'mind reader' transposto para um contexto onde a hiper-informação é norma. as técnicas de sampling vocal (cut-up) para efeito hipnótico são disso paradigma. logo, não deixa também de ser natural que seja ele a compreender melhor aquilo que 'mind reader' tinha para oferecer, sem nunca almejar o espanto. antes, a eficiência.

princesa - más fuego

terá sido mais pela alusão inflamável que o jorge manuel lopes terá escrito isto. o que não sendo, de todo, mentira, acaba por ser algo redutor (embora preciso) no que diz respeito a dois projectos distintos no modo como se precipitam para os mesmos objectivos. estes passam, obviamente, pela galvanização da pista (a referência ao fogo é, por todas as suas leituras, o meio mais óbvio no reggaeton). 'gasolina' (ainda hoje o maior êxito do género. e 'impacto' tinha tudo para dar certo) era sexualmente explícita, acabando por militar sub-repticiamente no lado mais acessível do género por via de coros femininos que distraíam da toada ameaçadora, enquanto se cantava em uníssono. 'más fuego' fundamenta-se nessa mesma ameaça constantemente. linhagem quase directa com os riddims do dancehall circa 2005 (dos drive-by shootings) que nunca procura humanizar esse processo. antes criar o distanciamento necessário para que o território da princesa esteja firmemente demarcado. é disso que 'más fuego' trata. de um modo que nenhum outro mitra (venha ele de que género for) conseguiu de modo tão vicioso.

rudimental ft. aadiyam & shantie - midnight affair


constitui, sem grande dúvida, aquele momento na uk funky que melhor evoca o ambiente promíscuo tão propício a noites ébrias. como se depreende facilmente, 'midnight affair' é marcadamente nocturno. é também sobre toda a tensão que o flirt pré-foda acarreta. elevada a níveis de extrema sensualidade por via de um sintetizador dorsal que, enredado em torno dos polirritmos rasteiros, consegue ser uma de elegância tão discreta quanto impositiva. contrariamente à tendência one night stand mais cândida de um clássico como a 'do you mind', 'midnight affair' rejeita qualquer tipo de empatia emocional. é foda nascida pela necessidade de quem não tem nada mais interessante para fazer. a misteriosa melodia da parte central é o caminho necessário até à cama, com a cidade em volta como espectador ausente. uma certa alienação tão em consonância com o hedonismo narcótico. ainda assim, existe vida fora dessas quatro paredes, e 'midnight affair' não deixa de soar estranhamente vouyerística na sua apatia enevoada. o que a torna perfeita para o drive by citadino em câmara lenta.

monica - blackberry

^^ aqui

tensnake - coma cat

sem que se deixe desvanecer aquele aroma a creme hidratante e fake tan de solário da balearic beat nascida em ibiza circa 1982, a reapropriação desse imaginário tem vindo a conhecer caminhos bem mais diversificados do que a mera dança suada da classe média/alta. o celebrado yearbook 1 dos studio poderá ter sido a faceta mais visível das baleares, numa altura em que se falava já de um ibiza revival independente das sofríveis compilações café del mar. eventualmente, toda essa proto-tendência se veio a dissipar, com passagem por pérolas como as remisturas dos aeroplane ou as bizarrias maximais dos mungolian jet set a assegurarem uma descendência discreta. com atributos humildes, 'coma cat' de tensnake agarra a dança pelos cornos (ou pelas ancas). consegue a estabilidade necessária num limbo entre uma saudável seriedade e o apelo cheesy capaz de arrastar, sem grande esforço, tanto o mulherio mais lascivo como o público da smalltown supersound. rejeitando o carácter arty muito pós-moderno, em prol de uma estrutura formal 4/4 tão insinuante quanto alienígena no seu hedonismo. tão simples quanto o facto de ser apenas uma linha de baixo absolutamente infecciosa que carrega todo o tema, para reluzir de modo mais estival que tudo o resto com a entrada do xilofone sintetizado mui caribe. deveria ter sido malha obrigatória em qualquer festa, sem que o “bom gosto” (hipsters de merda. eh) tenha de ser uma imposição. ou seja, a verdadeira silly season.

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