segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

quadro de honra #4

esthero - og bitch (funkystepz remix)

2010 foi, sem dúvida, o ano em que a extrema proficuidade dos funkystepz começou a a conhecer um mínimo de reconhecimento fora do eixo rinse.fm / deja vu / dj reflexx a que o género tem estado largamente restringido, para se imiscuir gloriosamente em alguns sets mais transversais da hessle ou do kode 9 ('fuller' / 'hurricane riddim' com edição para breve na hyperdub). com as edições de deep roller e sounds of malibu a funcionarem como resumo da matéria / cartão de visita fidedigno de tudo isto, não deixa de ser curioso que o momento mais gratificante tenha sido uma remix surpreendentemente bonita. mesmo tendo em conta a diversidade de opções que o trio de produtores tem vindo a tomar. atirando para todo o lado, sem que prevaleça uma marca autoral, mas com um fascínio relativamente mais abrangente pelo lado mais tropical. "og bitch (funkystepz remix)" não tem precedentes. também se aproveita apenas tangencialmente de um original sofrível e irrelevante, até um ponto em que o termo remix se torna demasiado redutor. na linha de revisões mestras como 'turn it around' , 'better off as friends' ou 'find your love', limita-se ao reaproveitamento de uma linha vocal em torno do qual o instrumental se enrede, sem nunca assumir um protagonismo, mas procurando uma confluência geral em direcção a uma ambiência tão descontraída quanto emocionalmente ressonante. acto contínuo, prevalece aquele sentimento de viajar de táxi ao final da tarde depois de um dia parco em acontecimentos e onde tudo em redor assume uma proporção quase cinemática. uma redoma natural de um tema encerrado na sua própria estrutura, que descarta o funcionalismo dinâmico em prole do deslumbramento. o necessário.

julian lynch - in new jersey

^^ breve no bodyspace

kyla - don't play with my heart (roska remix)

não sei porque é que tendo em conta como 'daydreaming' foi tão acertado, a kyla não se assume como uma cantora uk funky de pleno direito (farah, princess nyah ou miss fire) para continuar a dar voz a instrumentais cuja principal virtude é servirem de matéria prima para remisturas. com 'do you mind' a servir de paradigma disso mesmo. originalmente, 'don't play with my heart' anda entre a 'telephone' da lady gaga e a expressividade uk electro do sequenciador, num resultado inócuo onde a voz da kyla se revela incapaz de trespassar a amargura da letra no meio de tanta opressão. é num contexto uk funky que "my heart don't play no games with you" acaba por revelar todo o seu impacto emocional por via de um processamento que, ao repudiar o lado humano acaba por compreender o vazio latente dessa afirmação de modo mais fiel. ressonância possível no encontro com a atmosfera misteriosa em fundo e a linha descendente a conferir a tudo um sentimento de ameaça latente. do mesmo modo que a melodia central da 'tell me', mas onde o isolamento se presta à contemplação. por oposição a algo palpável como 'kalemba (wegue, wegue)' (servindo-me de um exemplo facilmente reconhecível e completamente fora do espectro) que servia enquanto prelúdio para a agressividade festiva. o cerne está nesse momento, como se fosse um anti-refrão, na medida em que é a ruptura restante (no modo como quebra a atmosfera para dar espaço a uma percussão esquelética. 'midnight affair' serve-se de estrutura semelhante) que acaba por manter 'don't play with my heart' no campo da canção. nada de particularmente brilhante a um nível formal, mas cujos efeitos num set acabam por ser tão incríveis que apenas com uma gritante falta de talento seria possível um efeito nefasto.

d double e - street fighter riddim

como escapar aos clichés grime sem com isso forçar o crossover. 'street fighter riddim' pode ser encarado como a 'next hype' de 2010, não só por glorificar uma persona particular cuja violência quase caricatural tem aqui consonância instrumental, como perpetua as premissas fundadoras do género sem soar revisionista. celebração sónica de um clássico que terá sido parte integrante das tardes ociosas dos ghettos londrinos (E7), a produção do dj swerve estabelece uma ligação directa entre os primórdios do grime e o peso que os jogos de consola tiveram nessa identidade ("beats born of ringtones, video games and staticky pirate-radio sounds" disse o dizzee em 2003 ao observer), sem entrar pelo pastiche reverente ('1 up' é um exemplo recente mais ou menos bem sucedido). numa altura em que o género não consegue sair da indecisão em que se encontra, confuso entre referências ao passado glorioso (as revisões da 'pow', o tag team simbólico da 'game over' ou mesmo este wiley), piscadelas de olho inusitadas ao mainstream e uma experimentação que tarda em revelar premência, 'street fighter riddim' eleva-se para além de tudo o resto sem grande esforço. fazendo da simbiose entre a melodia infecciosa e o wobble palco perfeito para o carisma do mc a coisa mais entusiasmante de sempre. por momentos.

panda bear - tomboy

quando a ouvi pela primeira vez no lux instalou-se na minha cabeça uma comparação ao minimalismo rock dos spacemen 3. poderá fazer pouco sentido contextual, mas existe algo no modo como o riff se vai perpetuando naquela aquosidade que me leva ao modo como as canções do sonic boom resistiam nessa mesma circularidade. é um panda bear de meios mais "pobres" do que o de person pitch, onde a batida assume a função de metrónomo essencial. uma pulsação grandiosa com a guitarra em catadupa ao longo de quatro minutos, sem necessidades supérfluas nem pretensões épicas ocas, deixando a voz pairar alienante sobre tudo isso sem devanear sobremaneira. não era necessário. está tudo naquele riff. seria bom recorrer mais vezes a esta palavra quando tomboy vir a luz do dia.

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