texto meu que era para ter saído no bodyspace, mas que já tinha sido alvo de apreciação pelo rafael santos. my bad. para não se perder (e porque foi um dos melhores discos do ano passado), aqui fica :
Hot Toddy – Late Night Boogie
Smoke ´N´ Mirrors – 2010
Intro : Súmula perfeita da maturidade da nu-disco em disco imune a armadilhas sazonais.
O Verão não é eterno. A ironia habita em Endless Summer (dos Beach Boys, do Fennesz) enformada pela nostalgia de um Verão que subsiste enquanto resquício último de uma felicidade truncada no tempo. O pretenso revival da balearic beat ainda tentou apregoar que a festa na praia ao abrigo das palmeiras e encharcada a daiquiris seria infinita, mas apesar do legado que perdura em malhas como a 'Coma Cat' (qualquer festa em 2010 devia ter passado por aqui), é necessário reconhecer a sazonalidade de tudo isto. A natureza cíclica tratar-se-á de conferir a necessária perenidade de todas estas movimentações. Apanhada no caudal da deep-house, a tendência nu-disco lá vai dispondo coordenadas um pouco por toda a parte. Como se a toda festa se seguisse um rescaldo e por diante, perpetuando o momento. Um contínuo.
Geograficamente, Metro Area epitomizou a vida urbana para assegurar um estatuto clássico, enquanto os Studio trataram de assegurar uma descendência (nem sempre saudável) que do areal populado de fake tans em roupas de linho brancas, rapidamente se despe para o jacuzzi. Enquanto centenas de canções têm direito a revisões de gente tão ilustre como o Todd Terje, outras ficam-se por disco edits ensimesmados. Uma estrutura capaz de albergar todo o Mundo e que os Mungolian Jet Set tentaram num acesso de brilhantismo megalómano conter em We Gave It All Away, Now We`re Taking It Back e do qual o Lindström tem vindo a escapar em tangentes intergalácticas.
Com Late Night Boogie o nu-disco chega à sua fase outonal, sem acessos de melancolia reflexiva. O nome é sucinto nesse carácter de pós-euforia feliz, com a capa a transparecer um sentimento enevoado que permeia essas horas tardias/madrugadoras. Assume-se declaradamente uma narrativa onde todas as partes fazem sentido. Metade dos Crazy Penis (rebaptizados de Crazy P, e cuja estreia com A Nice Hot Bath With... era isso mesmo), Chris Todd não quis enganar ninguém quando assumiu para as suas investidas a solo o nome de uma bebida alcoólica servida quente. Depois de quebrar um hiato de três anos com a lindíssima homenagem à deep-house que foi 'I Need Love' em 2009, Todd regressa aos álbuns 10 anos depois da estreia com Super Magic e com a tinha-tudo-para-ser-clássica 'Mindtrip' pelo meio.
Englobando todas as partículas que fazem do género um processo de constante mutação sem com isso preterir qualquer coerência estética interna, Late Night Boogie não é uma obra de aspirações grandiloquentes como o já citado álbum dos Mungolian Jet Set. Antes, um indicador fidedigno da vitalidade do género enquanto cápsula permeável a influências de toda a música de dança sensual (nunca exaltada) que acaba por ser transversal a qualquer datação temporal. Não fosse Late Night Boogie tão bom, e poderia até incorrer-se no risco de utilizar termos tão sofríveis como “sofisticado” e “suave” (e à memória dispensável dos late 90's da G-Stone e da K7!). Que, ainda assim, não fizeram mal nenhum a Silent Movie de Quiet Village.
Apesar do ritmo nunca se tornar impositivo, não existe nada que leve Late Night Boogie para o terreno meloso do downtempo. A espuma dos sintetizadores de 'Magnetic' dá azo a uma polirritmia que não destoaria de Remain In The Light e sobre a qual sobrevoam vozes processadas das mais diversas formas : robotizadas, etéreas, pitch shifted, em reverse. Sem nunca perder o fio condutor que é o groove. O princípio mestre que aglutina as referências funk, house, disco e tudo mais que é passível de coabitar naturalmente no espectro abrangido pelo título do disco.
Mais próximas daquilo que se entende como uma canção 'Freekend' e 'Won't Let Go' contam com a voz de Danielle Moore para resultados distintos. A primeira encarna o boogie como entendido nos anos 80, recorrendo a baixos gordos (não gordurosos) e a estaladas melódicas de sintetizador e guitarra para uma prestação vocal prenhe de respirações. 'Won't Let Go' é uma peça mais subtil que alimentada pelo sequenciador do baixo se vai desenformando parcimoniosamente aos comandos da voz lânguida. Na senda da placidez de algo como esta revisão de 'Melankoli', sem incorrer numa imagética tão presente, optando por um poder de sugestão mais intrigante até ao seu final. Pelo meio, 'On the 1AM' parte de uma batida simples, que pode anunciar qualquer coisa, para ir dispondo camadas e mais camadas de guitarras e sintetizador para uma densidade que apela à submersão. O termo hazy serve para isto.
'Down To Love' conta com a participação de Jennifer Rhonwen naquele que constitui o momento mais classy do álbum. O rhodes muito jazzy que, de outro modo, seria de um enjoo inenarrável, assume todas as suas propriedades sensuais, numa construção linear que, sem qualquer facilitismo, deixa que a voz de Rhonwen assuma o protagonismo com confiança. Uma naturalidade de processos que é reflexo de um disco que perdendo algum fôlego na segunda metade se ouvido atentamente de uma assentada, por via dessa mesma coerência interna, nunca se limita ao reciclar auto-fágico de ideias, e deixa para o final a doçura de 'Late Night Boogie' em tons de Synchronicity dos Police. Como que a acenar a tudo aquilo que a precedeu. Ou a perspectivar um novo começo.
O Verão não é eterno. A ironia habita em Endless Summer (dos Beach Boys, do Fennesz) enformada pela nostalgia de um Verão que subsiste enquanto resquício último de uma felicidade truncada no tempo. O pretenso revival da balearic beat ainda tentou apregoar que a festa na praia ao abrigo das palmeiras e encharcada a daiquiris seria infinita, mas apesar do legado que perdura em malhas como a 'Coma Cat' (qualquer festa em 2010 devia ter passado por aqui), é necessário reconhecer a sazonalidade de tudo isto. A natureza cíclica tratar-se-á de conferir a necessária perenidade de todas estas movimentações. Apanhada no caudal da deep-house, a tendência nu-disco lá vai dispondo coordenadas um pouco por toda a parte. Como se a toda festa se seguisse um rescaldo e por diante, perpetuando o momento. Um contínuo.
Geograficamente, Metro Area epitomizou a vida urbana para assegurar um estatuto clássico, enquanto os Studio trataram de assegurar uma descendência (nem sempre saudável) que do areal populado de fake tans em roupas de linho brancas, rapidamente se despe para o jacuzzi. Enquanto centenas de canções têm direito a revisões de gente tão ilustre como o Todd Terje, outras ficam-se por disco edits ensimesmados. Uma estrutura capaz de albergar todo o Mundo e que os Mungolian Jet Set tentaram num acesso de brilhantismo megalómano conter em We Gave It All Away, Now We`re Taking It Back e do qual o Lindström tem vindo a escapar em tangentes intergalácticas.
Com Late Night Boogie o nu-disco chega à sua fase outonal, sem acessos de melancolia reflexiva. O nome é sucinto nesse carácter de pós-euforia feliz, com a capa a transparecer um sentimento enevoado que permeia essas horas tardias/madrugadoras. Assume-se declaradamente uma narrativa onde todas as partes fazem sentido. Metade dos Crazy Penis (rebaptizados de Crazy P, e cuja estreia com A Nice Hot Bath With... era isso mesmo), Chris Todd não quis enganar ninguém quando assumiu para as suas investidas a solo o nome de uma bebida alcoólica servida quente. Depois de quebrar um hiato de três anos com a lindíssima homenagem à deep-house que foi 'I Need Love' em 2009, Todd regressa aos álbuns 10 anos depois da estreia com Super Magic e com a tinha-tudo-para-ser-clássica 'Mindtrip' pelo meio.
Englobando todas as partículas que fazem do género um processo de constante mutação sem com isso preterir qualquer coerência estética interna, Late Night Boogie não é uma obra de aspirações grandiloquentes como o já citado álbum dos Mungolian Jet Set. Antes, um indicador fidedigno da vitalidade do género enquanto cápsula permeável a influências de toda a música de dança sensual (nunca exaltada) que acaba por ser transversal a qualquer datação temporal. Não fosse Late Night Boogie tão bom, e poderia até incorrer-se no risco de utilizar termos tão sofríveis como “sofisticado” e “suave” (e à memória dispensável dos late 90's da G-Stone e da K7!). Que, ainda assim, não fizeram mal nenhum a Silent Movie de Quiet Village.
Apesar do ritmo nunca se tornar impositivo, não existe nada que leve Late Night Boogie para o terreno meloso do downtempo. A espuma dos sintetizadores de 'Magnetic' dá azo a uma polirritmia que não destoaria de Remain In The Light e sobre a qual sobrevoam vozes processadas das mais diversas formas : robotizadas, etéreas, pitch shifted, em reverse. Sem nunca perder o fio condutor que é o groove. O princípio mestre que aglutina as referências funk, house, disco e tudo mais que é passível de coabitar naturalmente no espectro abrangido pelo título do disco.
Mais próximas daquilo que se entende como uma canção 'Freekend' e 'Won't Let Go' contam com a voz de Danielle Moore para resultados distintos. A primeira encarna o boogie como entendido nos anos 80, recorrendo a baixos gordos (não gordurosos) e a estaladas melódicas de sintetizador e guitarra para uma prestação vocal prenhe de respirações. 'Won't Let Go' é uma peça mais subtil que alimentada pelo sequenciador do baixo se vai desenformando parcimoniosamente aos comandos da voz lânguida. Na senda da placidez de algo como esta revisão de 'Melankoli', sem incorrer numa imagética tão presente, optando por um poder de sugestão mais intrigante até ao seu final. Pelo meio, 'On the 1AM' parte de uma batida simples, que pode anunciar qualquer coisa, para ir dispondo camadas e mais camadas de guitarras e sintetizador para uma densidade que apela à submersão. O termo hazy serve para isto.
'Down To Love' conta com a participação de Jennifer Rhonwen naquele que constitui o momento mais classy do álbum. O rhodes muito jazzy que, de outro modo, seria de um enjoo inenarrável, assume todas as suas propriedades sensuais, numa construção linear que, sem qualquer facilitismo, deixa que a voz de Rhonwen assuma o protagonismo com confiança. Uma naturalidade de processos que é reflexo de um disco que perdendo algum fôlego na segunda metade se ouvido atentamente de uma assentada, por via dessa mesma coerência interna, nunca se limita ao reciclar auto-fágico de ideias, e deixa para o final a doçura de 'Late Night Boogie' em tons de Synchronicity dos Police. Como que a acenar a tudo aquilo que a precedeu. Ou a perspectivar um novo começo.
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